segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Boca da noite

Ela me lembra de ler os jornais, mesmo no tempo em que eles não são mais de papel. Me liga às altas da noite -seu nome-  para que eu assista pessoas inteligentes falando, pessoas sensíveis falando e se ressente dura se não me dei o trabalho de trocar o canal. Me assopra no ouvido a fala reprimida como que eu nem soubesse falar mas eu gosto. Gosto quando me recorta as crônicas que eu preciso ou gostaria de ler. Ela me lembra de terminar o que comecei, sejam aulas de violão, bolos de batedeira que nunca acerto fazer, curso de inglês ou louças queimando na pia. Nunca me jogou ladeira abaixo para que eu aprendesse a andar de bicicleta. Agradeço por isso. Eu morreria. Publicou todos os meus sonhos, medos, penúrias e gozos, mas sem me cortar os pronomes. Quando acordei não tinha mais roupas, máscaras ou botas de chuva, nem sombrinhas ou óculos. Estava nua em pelo, como vim ao mundo.  Pelos braços de quem mais? Dela, da boca da noite que me calava as entranhas em criança. Agora eu falo demais. Desaprender a gente começa todo dia quando não obedece.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

PONTO

Tenho meus dias
de ponto.
Ponto final.
Aqueles dias
em que a linha
em branco
é a melhor solução.
Dias de tinta zero
e buracos negros.
Meus leitores
não precisarão fazer inferências
antecipações
ou coisas do gênero.
Pois não haverá gênero.
Papos polêmicos.
Discussão de teses alheias.
Não será necessário.
Nunca é.
Resta saber porque usei tantas palavras
para dizer tanto
sobre nada.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

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terça-feira, 14 de julho de 2015

Água quebrada

Lavar as panelas me reconciliou com a água fria. Estendi as roupas pretas e lavei os casacos do meu marido a fim de pegá-los para mim. Ele não sente frio, pensei. Os meus estão rasgados puídos, feios mesmo. Mas vou lavá-los depois para servir de dormir. Os pijamas estão caros, a energia elétrica... O combustível também. Tudo pela hora da morte. Lavei as panelas, mas o banho não encarei. Meu aquecedor está quebrado e o rapaz do conserto me deu conselho muito útil: compre outro. Mas sem grana não comprei. Ele agora só me dá água quebrada. Leio a Bíblia e lembro que há outros que nunca tiveram o prazer de um banho de água fumacenta, que embaça o basculante de tão quente. Pensei mas foi por pouco tempo. Precisava de águas e ideias quentes.  Sem chance. Dormi com as palavras gastas todas grudadas na pele.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

INCONVENIENTES

Toda loja
Tem seus segredos
Bem guardados
No fundo de algum baú
Ou gaveta.
Nesta loja não.
Os segredos se guardam
Em livros
Ou sorrisos
Sempre
Abertos.
Inconvenientes toda vida
Os vendedores
Tem suas verdades
Estampadas no rosto.
Tem uma princesa
De óculos
Bochecha
E coração fofo.
Fofo mesmo, de nuvem.
Tem uma senhora
De cabelos grisalhos
Que nunca passa
Dos vinte anos.
Um palhaço
Que é poeta
nas horas livres.
Uma rainha
Que engoliu dois ovos
Cor de rosa
Uma Rapunzel
De muitas tranças...
Mas ninguém
Pode dizer
Que não há gavetas.
Só que elas servem
Para guardar
Os NOSSOS segredos.
É recheada
De vermelhos
Narizes
Para quem quiser
Brincar
De ser feliz
De vez em quando.