domingo, 6 de novembro de 2016

Garoando

"Mãe tá garoando..." 
"E o que é garoando?"
"Tá pingando pequeno..."

Está garoando
Pingando pequeno
Miúdo 
Levinho
Feito gota de orvalho
Na folha de árvore
Na calçada 
Tem poça
Tem piscina de Polegarzinha
Recebendo bicadinhas
Caídas de nuvem
Está garoando
Pingando pequeno 
Miúdo 
Levinho 
Daqui de dentro
De grande 
Só a vontade de brincar
Lá fora
E a imaginação 
Que cresce 
Feito bolha de sabão


sexta-feira, 29 de abril de 2016

Transfigurada

Estava caminhando na praia e acordei agora, vinte anos depois. Transfigurada. As roupas não me cabem no corpo nem o amor no peito. Tal e qual Dona Doida de Adélia, com os joelhos de fora e sombrinha em punho. O fato de ser eu personagem me deu o poder de fazer milagres, daqueles do tipo brigadeiro de panela, pipoca com filme ou panqueca sem recheio. O povo me olha estranho, os homens não me desejam mais e desaprendi de fazer versos. A minha fé transborda o copo da salvação e não cabe na igreja. Vivo de catar gotas de orvalho. São o meu ganha pão. (que Deus me dê o pão, o pão da vida) Olho para os meus dedos e não encontro os anéis. Onde foram parar? Tenho filhos que não vi nascer, rugas que não vi crescer e dores que não vi brotar. Todo os dias me jogam n'água mas também desaprendi a nadar. Meus braços encurtaram e as pernas balbuciam. Só a areia que envolve o meu corpo não mudou. Ainda é a mesma de vinte anos atrás. Fina e limpa, do tipo que gruda na pele e não solta com o vento.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Vaga-lumes da esperança

No cinema com a prole e o marido me pego emocionada não somente com o filme, mas com a família ao lado, cujos filhos tinham em média dois e três anos. A mãe fazia cinema com audiodescrição. Não que as crianças fossem cegas, mas ela engendrava um descrever afetivo, bem mais do que um simples traduzir de expressões ou inferências que as crianças fossem incapazes de fazer, mais do que uma diluição de conteúdo... A mãe adornava as palavras com toques e voz suaves... tentando responder as perguntinhas fofas sem muito rodeios, costurando com sentimentos e acontecimentos que julgava familiares aos seus rebentos. Em tempos de falta de tempo, de falta de paciência,  imediatismo e indiferença, uma doce e leve fagulha de luz. Assim como no filme, quando o pai dinossauro girava a cauda para acender os vaga-lumes escondidos na grama, aquela mãe acordou a curiosidade, os sorrisos e afetos de seus pequenos naquela tarde. Em mim ela despertou não só as lágrimas, mas acendeu os verdes vaga-lumes da esperança. E de repente, na sala escura, fez-se a luz.