domingo, 7 de maio de 2023

A LEITURA E A ESCRITA ANDAM UNIFORMIZADAS?

Assim como para mim é difícil explicar às pessoas que a Ísis fala sim, mas que falar não quer dizer necessariamente que ela consegue expressar o que sente, para minha filha a leitura e escrita sempre foram um problema complicado de resolver (embora não de Matemática). No entanto, depois descobri que não era exatamente difícil para ela, e sim para nós.  Sim, porque teimamos em encaixar todas as crianças em um único modelo de ensino.  Não gosto da palavra método, nunca gostei. Os métodos pressupõem um caminho igual para todos.  No entanto, o lugar da uniformidade, da homogeneização, ficou marcado em nós. Lá  atrás, na nossa trajetória de estudante,  onde os métodos sempre tiveram um lugar cativo.  Mesmo sem métodos não conseguimos enxergar prontamente que a Ísis tinha um jeito muito particular de compreender e se apropriar da escrita e da leitura. Precisamos quebrar muitas muralhas. Muitas perguntas precisavam ser respondidas. Mas foi justamente desvencilhar-se dos métodos, dos caminhos óbvios, a estratégia mais importante.  Desconectar-se de qualquer modelo pronto e construir com ela uma nova prática. Sempre acreditei nisso. Mesmo assim, permaneci engessada, procurando estabelecer um tempo que não era o dela. Procurando traçar uma rota que não era a dela. Alguns anos atrás eu talvez não acreditasse que ela chegaria onde está, utilizando a escrita como principal ferramenta de comunicação em momentos de crise e de sobrecarga sensorial. Ela se faz entender melhor pela escrita.  Tudo que pensei no início,  quando ela começou a alfabetização, já não me pertence mais.  O tempo nos mostrou que o ambiente letrado, estimulante e motivador é tão forte que pode ultrapassar qualquer barreira, inclusive a da deficiência intelectual. Os mangás, as graphic novels (às vezes de temas controversos mas que eu não evito e trago para a mesa de discussão), os animes legendados, tudo que despertava o interesse dela virou objeto de leitura. E caiu por terra a tese dos textos mais adequados à alfabetização. O texto é aquele que a toca.  Esse assunto é longo e cabe em muitas outras crônicas. A escola tende a uniformizar tudo, até a roupa. Os alunos já entram UNIFORMIZADOS.  Enquanto estivermos impondo a nossa maneira de ensinar anulando o jeito particular da criança aprender, estaremos sozinhos, presos à lousa e ao tablado por uma teia de falsas amarras. Libertar-se delas é acolher o outro. 

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Segunda chamada

Ela não teve o direito
À segunda chamada
Ela não teve o direito
A salário em dia
Ela não teve o direito
A cursos sem custo
Ela não teve o  direito
De se proteger 
Ela não teve o direito 
De resposta
Ela não teve o direito
De ter tempo livre
Ela não teve o direito
De desviar da bala
Ela não teve o direito
De revidar o tapa
Ela não teve o direito
De se reunir aos pares
Ela não teve o direito
De ter tempo de ler
Ela não teve o direito
De comprar livros
Ela não teve o direito
De ter dinheiro
Ela não teve o direito
De descansar a alma
Ela não teve o direito
De ir ao médico
Ela não teve o direito
De errar 
Ela não teve o direito
De consertar
Ela não teve  o direito
De voltar atrás
Ela não teve o direito
De comprar o remédio
Ela não teve o direito
De abandonar o remédio
Ela não teve o direito
De dormir
Ela não teve o direito
De escrever a própria história
Mas me ajudou a escrever
Cada linha
Da minha

Obrigada professor por dar o direito aos seus alunos de serem protagonistas das próprias vidas. 

(Fabiana Esteves)