terça-feira, 20 de junho de 2017

Misericórdia

Repito a ladainha do terço da misericórdia enquanto as meninas constroem objetos eletrônicos utilizando caixas de remédio e tampinhas de garrafa (talvez porque os Correios não entreguem mais nesta área objetos desta natureza). Imito a reza do terço, mas nem sempre a fé. Espelhada em Adélia e Cora, quero uma fé que me assalte as palavras e derrame em versos a força que o curso do meu corpo teima em derramar na cama. Não deve ser o percurso certo. O Menino Deus me invade a sala não mais como uma cidade da música de Caetano, ou o paradeiro de Caio Fernando Abreu, mas como a mão que vai me libertar desta busca insana pela palavra certa. Pela frase que transborde pelo canto da boca alheia. Enquanto o pulso lateja o cansaço que pousa no antebraço, eu continuo a saga banhada a café com leite quente. (João me avisou agora do documentário). As palavras quando me atingem os dedos pedem que eu trabalhe mesmo com essa dor me perseguindo as carnes. O tempo não ajuda. Este tempo pede pão com manteiga, cobertas e filmes para maiores de dezesseis. Adio as leituras adolescentes para o período da noite, cujas horas terminarei ouvindo música folk,  assistindo pregações no Youtube ou lendo as cartas de Rosaura. Anseio pelo domingo, quando a hóstia santa me espera para me oferecer a salvação e o conforto que eu busquei a semana toda no ofício inevitável da escrita. Duro é esperar tanto.